Território e Imaginação

Território e Imaginação

Desde julho que não vos dava notícias sobre a fotografia que vou fazendo. Por isso aqui estou.

2015 foi para mim, que não faço fotografia a tempo inteiro, o ano do espaço, do território e dos lugares e não-lugares. Melhor, território e imaginação. A matéria foi uma das vertentes de estudo do curso deste ano da Escola Informal de Fotografia-EIF. Suspeito que 2016 não será substancialmente diferente.

Quando falamos de espaço e/ou território pode, cada uma de nós, estar a referir-se a realidades bem distintas. Não vos quero apoquentar com assuntos que porventura não vos interessem (mas são livres de passar à frente), mas tenho que dizer-vos que quando se parte para um trabalho fotográfico de autor há que suportá-lo num conceito, uma forma de ver e dar a ver, entre outras coisas. A construção do conceito, partindo da ideia inicial, determina a pesquisa e estudo a realizar antes da execução do trabalho.

Numa fase embrionária fui compilando textos, cuja leitura depois fui aprofundando em função dos meus interesses na preparação do(s) discurso(s) fotográfico(s) a que me propus.

Estes foram alguns pontos de partida para o Território e Imaginação:

  • “O espaço é a acumulação desigual dos tempos.” MILTON SANTOS, 1988.
  • “O território é o chão e mais a população, isto é uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre as quais ele influí. Quando se fala em território deve-se, pois, desde logo, entender que está falando em território usado, utilizado por uma população.” MILTON SANTOS, 2003.
  • “De acordo com RAFFESTIN (1993), o território é uma construção conceitual a partir da noção de espaço. Com isso esse autor pretende fazer uma distinção entre algo já “dado”, o espaço – na condição de matéria prima natural e um produto resultante da moldagem pela ação social dessa base – e o território – um construto, passível de “uma formalização e/ou quantificação”. Assim, “a produção de um espaço, o terrritório nacional, espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que aí se instalam: rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários, auto-estradas, e rotas aéreas, etc.”, (LEFEBVRE, 1978, p. 259 apud RAFFESTIN, 1993, p. 143), por exemplo, se constitui em um complexo jurídico-sócio-econômico, modelado em uma multiplicidade de paisagens, exibindo feições características. O território é, assim, a base física de sustentação locacional e ecológica, juridicamente institucionalizado do Estado Nacional. Contém os objetos espaciais, naturais e/ou construídos, na condição de instrumentos exossomáticos, para (re)produção de uma identidade étnico-sócio-cultural.” CARLOS SANTOS in REVISTA ZONA DE IMPACTO. ISSN 1982-9108, VOL. 13, Setembro/Dezembro, ANO 11, 2009.
  • “…do território não escapa nada, todas as pessoas estão nele, todas as empresas, não importa o tamanho, estão nele, todas as instituições também, então o território é um lugar privilegiado para interpretar o país.” MILTON SANTOS, 1998.
  • “Para Soja (1971, p. 19), no âmbito da conotação política da organização do espaço pelo homem, a territorialidade pode ser vista como “um fenômeno comportamental associado com a organização do espaço em esferas de influência ou de territórios claramente demarcados, considerados distintos e exclusivos, ao menos parcialmente, por seus ocupantes ou por agentes outros que assim os definam.” CARLOS SANTOS in REVISTA ZONA DE IMPACTO. ISSN 1982-9108, VOL. 13, Setembro/Dezembro, ANO 11, 2009.
  • “Os não-lugares representam de certo modo as transformações que estão a ocorrer na sociedade moderna e que se materializam no território e das quais ninguém se parece aperceber. Todos nós, ou muitos de nós, beneficiamos com a construção destes novos espaços que nos permitem “fazer mais coisas em menos tempo”: auto-estradas, hipermercados, centros comerciais, caixas multibanco, etc. É a estes espaços, que nos facilitam a circulação, o consumo e a comunicação que Marc Augé chama “não-lugares”, em oposição aos “lugares antropológicos” que privilegiam as dimensões identitárias, históricas e relacionais (Augé, 2006). 
  • O não-lugar surge numa sociedade globalizada e é de certo modo o resultado da mobilidade dos indivíduos, dos objectos, e das ideias. Mas esta, tem características diferentes da mobilidade da cidade industrial, trata-se cada vez mais de uma dupla mobilidade: a do desenvolvimento tecnológico que permitiu “encurtar as distâncias” através dos meios de transporte (avião, metropolitano, automóvel); e a que surge com as Novas Tecnologias da Informação (NTI), que tornando-nos possível percorrer o espaço através de alguns sentidos (olhar, ouvir), nos permitem viver cada vez mais num espaço virtual sem sairmos do lugar que ocupamos.
    O lugar antropológico é o oposto dos não-lugares que encarnam de certo modo a ideia de cidade associada à mobilidade, viagem e anonimato.
    “Correspondem a uma relação forte entre o espaço e o social, que caracteriza as sociedades arcaicas, e são portadores de três dimensões: são identitários, históricos e relacionais. Estes lugares acompanham a modernidade, mas com as recentes transformações da sociedade eles vão-se perdendo, desaparecendo, e sendo substituídos por outros a que MA (Marc Augé) vai chamar não-lugares.” TERESA SÁ, EM LUGARES E NÃO-LUGARES EM MARC AUGÉ, 2006, 180.
  • “A época atual será talvez, sobretudo, a época do espaço. Nós estamos na época do simultâneo, nós estamos na época da justaposição, na época do próximo e do distante, do lado a lado, do disperso. Nós estamos em um momento no qual o mundo se faz sentir, creio eu, menos como uma grande vida que se desenvolverá através dos tempos do que como uma rede que liga pontos e que entrecruza seus laços” (FOUCAULT, M. “DES ESPACES AUTRES”. In: Dits e Écrits, tome 2: 1976-1988. Paris: Gallimard, 2001. pp.1571-1581.)

Depois de ter realizado “ZEMRUDE”, uma série fotográfica sobre uma das cidades invisíveis de Italo Calvino, interessou-me a construção dos espaços (imaginários) e a discussão em torno dos “não-lugares” de Marc Augé. Na construção dos espaços (imaginários) de “SPACE 3” foi fundamental a leitura de Foucault e de David Harvey. Na estruturação de “AUSÊNCIAS” foi essencial Marc Augé.
De “ZEMRUDE” já vos falei aqui e há ainda alguns exemplares da fotozine regular à venda, na loja. Novos são os trabalhos “SPACE 3” e “AUSÊNCIAS”.

SPACE 3” é um território de imaginação geográfica e fotográfica. Recorre em certa medida ao conceito de heteropias usado por David Harvey ao referir-se aos espaços heterotópicos. É um “trompe-l’oeil” que nos obriga a refletir nas possibilidades dos espaços. Um terceiro espaço com origem numa espécie de engarrafamento do tempo, que decorreu entre tomadas de vista dos espaços que, apesar de geograficamente localizáveis, nunca são os mesmos porque também os eventos que ali têm em lugar, os significados que se lhes atribuem, as ideias e ideais que lhe subjazem não são os mesmos. A primeira tomada de vista data de entre 50 a 100 anos atrás.
Interessou-me, ao debruçar-me sobre a questão do território, a construção de – parafraseando Foucault – “espaços outros”, através de uma espécie de arqueologia da imagem. O passado dos espaços sempre me interessou, nomeadamente e neste caso, para me ajudar a criar outros espaços, cuja existência se resume à superfície bidimensional do papel fotográfico. Espaços imaginários.
A série “SPACE 3” podem ser vista AQUI. Da série está já ao alcance dos interessados uma fotozine.

AUSÊNCIAS” discorre sobre o Homem na sua condição de animal social, ser de afetos, e os relacionamentos que opera com a comunidade em que se insere e com os espaços que ocupa. É uma metáfora que dá expressão à omissão da criação de laços identitários e relacionais entre os humanos e entre estes e o território em que se movimentam, indiferenciados e despersonalizados.
Imagens (aparentemente) vazias que consubstanciam também um discurso sobre as possibilidades da fotografia. Uma fotografia de aparências, que discursa sobre a verdade através da mentira ficcionada das imagens. A série tem também uma fotozine, que vais estar disponível na loja para aquisição, dentro de um ou dois dias.

No próximo dia 7 estarei em Coimbra a apresentar estes trabalhos, na Casa da Esquina e falar sobre Território e Imaginação.

Ficam convidados, esperando que estes trabalhos despertem algo em vós.

Até logo.