SER AINDA O OUTRO

Ser Ainda o Outro 
Se eu me sentasse comigo próprio fazendo de outro, que resposta daria à pergunta, “quem sou seu?”
A imagem que de mim devolve o espelho, essa atulhada de medos, fantasmas, sonhos e alegrias aqui e ali trocadas por tristezas e dores infinitas de existências divergentes, é apenas uma ficção efémera de outros tantos eus que sou e outros que desejo ser. Quando o espelho se quebra, como Pessoa, “em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim”, imagens esparsas do eu.
Sou uno e fragmentado. Eu e o outro que se esconde. E ainda outrém. Uma alma, que desperta, se atormenta com o não ser os eus sonhados. Esquecido, regresso sempre ao que julgo que sou e o espelho me devolve.
“Ser Ainda o Outro” é a vontade de ir além do espelho, de confrontar a imagem especular, a própria definição do eu, e entender que a identidade não é apenas o que sou, mas também, aquilo que deixei de ser e o que não sou. É uma discussão interior, um teste de autoconhecimento, com disponibilidade para perceber que o passado não se muda e que para evoluir e ser quem sou, tenho que abrir mão de parte de mim para salvar o todo e me construir a cada momento, sonhando até ser um outro talvez inatingível.
As imagens não contemplam futuro, apenas o hoje das experiências a que as memórias e os projetos de ser outrora concebidos me trouxeram. Mas é nelas que assenta o devir de um outro eu. Um novo projeto de ser, um sonho e é o sonho que me mantém acordado e vigilante.

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