Vento da Pradaria

Originally posted 2015-02-04 00:17:34.

Neil Young MyspaceHá uma terra no norte do país onde os dias da infância eram eternos. Os montes erguiam-se verdes por entre a neblina da manhã. Entre a quinta e o povo, uns metros agora anulados pelo casario crescente da imigração regressada ou da imigração indecisa entre o ficar desinquieto e o regresso ao remanso.
Do alto do meu castelo avistava a aldeia vizinha e os pinheiros verdes, com um ribeiro ao fundo que corria célere e carregado. Entre o ribeiro e os pinheiros, uma estrada de terra batida e gravilha solta, serpenteava pelas encostas acidentadas.
Junto às muralhas, a vinha. Os cereais ao fundo, junto à estrada que o santo vigia dia e noite, e os legumes mais acima na várzea pequena. Em todos eles procurávamos, e encontrávamos, o sustento da vida. Depois da vindima e da ceifa. Do lagar e das cantorias dos homens rudes do campo, com um olhar de criança curiosa perante o visitante ocasional. Do mosto e do bagaço. Da matança do porco e dos guinchos desesperados do animal estendido na mesa tosca do pinho da casa. Dos torresmos e do calor do vinho doce, aquecido na lareira que soltava fumaradas intensas, quando tocava a secar o fumeiro, dependurado junto à telha marselha da casa situada no cimo do monte. Da chegada da malhadeira à eira e das palhas que teimavam em agarrar-se à roupa e arranhar os putos que brincavam à apanhada, enquanto as progenitoras recolhiam o cereal e tagarelavam por entre o pó que se soltava da palha desfeita.
Do meu castelo vigiava a vizinhança e sonhava acordado. Dias tranquilos aqueles. O cão sentava-se ao meu lado e velava também. Que nenhum intruso se aproximasse do nosso território. Mestre e servo, uma dupla intransponível.
À noite, bem noite, depois do regresso do amo a quem servíamos e do jantar de presunto e batatas fritas, à luz de um candeeiro a petróleo ou de uma candeia de azeite, iríamos, a senhoria, eu e o cão, fazer uma incursão em território desconhecido, mas só para mim, para trazer alimento à terra seca. À frente, numa mão o lampião na outra o sacho, a senhoria indicava o caminho acidentado, coberto de estrelas. Eu e o cão seguíamos atrás. Íamos todos reclamar do regadio a água que pertencia ao amo, conforme acordado entre vizinhos. Chegados ao local e mudado o rego, regressávamos à quinta.
A hora era de repouso e, chegados a casa, o amo dormia já profundamente em cima da cama, que os seus braços cansados, de tanto picarem e moldarem o granito, não foram capazes de abrir. Adormecera, como tantas outras vezes, ouvindo uma música em onda média proveniente de um pequeno rádio a pilhas, compradas na tasca da aldeia, enquanto inundava a simplicidade do seu viver com um copo de três.
Na manhã seguinte havia de sair bem cedo, ao raiar do sol, para nova jornada, de picareta às costas e farnel ao ombro. À noite afiaria, na forja, os instrumentos que um dia de trabalho tinha rompido.
Provavelmente, um vento frio sopraria vindo do pequeno vale…

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.