Noites de Valéria

Originally posted 2015-02-04 00:17:26.

Tombámos mortos de alcoól e Valéria ria em gargalhadas de cio imprudente, entre o trago fácil de um uísque ordinário e o afagar caloroso do sexo humedecido. Jorge sorria matreiro.
O ar da sala tragava incolores os odores da festa, que, de paredes nuas, só um astuto e, no entanto, miserável cabide presenciava. A mesa do talho estava lá para estar no memento da aventura, sem que mais explicações fossem necessárias.
Valéria era louca e entorpecia-nos os sentidos com conversas estrebuchantes de palavras ordinariamente viscosas. Gozávamos o hálito ilustrado de amantes que Valéria exalava da boca piorrenta, adivinhando os que lhe sugaram os mamilos até à exaustão.
Valéria e Jorge entumecidos.
Em acto de alucinante desvario toma-a de assalto sobre a mesa de talho, cujo mármore ornamentava a cozinha excêntrica de Valéria. Contorciam-se. Ninguém ousou mexer-se e todos aplaudimos o acto de brava coragem. Assistíamos e queríamos gozar o sentido próprio da festa masturbando-nos num amontoado de carne erecta, que transpirava ofegante a penugem basta da alcatifa que nos absorvia o ser.
Caiu a máscara e as paredes escureceram quando o mundo penetrou Valéria, a casa e o que restava dos convivas que jaziam mortos num orgasmo inacabado.
Jorge cuspiu sangue e confrontou a existência com a morte.
Valéria ria em gargalhadas de cio imprudente.
Jorge sorria… morto!

Eis a nova!

Originally posted 2015-02-04 00:16:40.

Soltai a raiva que vos consome feras demoníacas,
Que o gélido frio traz o dócil sopro da morte escaldante.
Soltai o medo que anseia percorrer as vielas que pisais.
O reino que desejastes vem chegando.
O reino dos tórridos infernos, de ódio inflamados.
Eis a nova!
Presenciai a silhueta do poder eterno,
Enfezados terrores de verões escaldantes.
Entusiastas da guerra, da morte e da vingança,
Escutai os ventos do além, da morte, que vem cansada
pela pressa que a traz.
Aclamai-o, porque em grandiosidade chega!
Aclamai-o, que vozes moribundas de dor deseja ouvir!
Ei-lo!
Entrada triunfal do rei digno do reino de almas desnudadas ao vento.
Ei-lo, o eleito: Satanás!

Satanás tal como visto no Codex Gigas

Para lá da estrada

Originally posted 2015-02-04 00:15:53.

man-dog
Fancis Bacon - MAN DOG

O cão sentara-se havia pouco.
O deserto crescia, crescia sem parar
junto ao calcanhar da palmeira daquele oásis
plantado à beira da estrada descalça,
que conduzia a “Megalópolis”, a cidade desgraçada
de luzes frias e chuva tão intensa
que os pés se perdiam na lama da estrada circular,
que aquele rafeiro axadrezado percorria do nascer ao ocaso.
Sete ventos varreram a cidade maldita,
que era uma aldeia triste e sombria do interior
com musas e papalvos, saloios de venta roída pelo frio,
bem sepultados em sarcófagos de tédio irrespirável,
de tal modo as meias do assalto ao banco me sufocavam a voz,
que corria derretida da caminhada
em torno daquele velho deserto do cão,
que era amigo do homem, até que este,
fodido da vida,
lhe pontapeou os tomates inchados da glória de não montar.
E o deserto era já tão intenso que o dilúvio nada poderia
contra as areias cálidas de uma tarde de verão
junto ao asfalto do cão.
Três cães.
Eram três cães e votaram: logo a vida se afogou
no dilúvio sumarento da prostituição e da chulice,
onde se tropeçava como se os pés de uma cabra fossem razão suficiente
de um orgasmo ordinário.
Três carros!
Três resplandecentes “Mercury”.
Um peão morto e o deserto.
Ah, esse crescia. E crescia sem parar.
Crescia até ficar tão longe,
que os olhos de uma águia se perfuraram nos cornos de um boi corpulento
que era o cão morto, desfeito, apodrecido
em sangue corrente tipo EPAL
e os miolos verdes eco-lógicos,
amarelados pelos sete ventos gelados do norte
espalharam três tumores por cabeça de fome de preto.
Todos gostaram do sexo do animal putrefacto,
decomposto em quadradinhos de chocolate envenenado
pelos políticos do tesão.
E assim os porcos que saltitavam alegremente
num antro de esterco impossível,
nada puderam contra a areia pequenina da estrada de
“Megalópolis” do cão e da morte coberta
pelo deserto que parou no início do
fim do mundo.

Todos Mortos

Todos Mortos

Originally posted 2015-02-04 00:15:02.

Todos MortosRuo, construo, desconstruo, reconstruo, num ajuste curvo
de uma abóboda celeste incoerente
de um fogo efémero que arde mas não queima
como a insignificante morte dos antepassados,
depois da dor, morte e terrestres seres moídos
em impulsos incoerentes de glória falsa
efemeramente enganosa.
Proxenetas do pai no seu dia, sem genetriz nem descendente que o acoite.
Triste macaqueação e um inútil ser filho da mãe.
Aspiro a armas e canhões nunca assinalados em qualquer parte
num retângulo de homens difíceis, génios do horror nativo,
extenuados da inteligência sobredotados da depredação,
verdugos do povo madraço macambuzio prenhe de revoltas
encerradas nas paredes obscuras dos tugúrios da imigração.
Todos mortos, todos mortos… filhos da puta!

Fria caligrafia

Originally posted 2015-02-04 00:14:34.

Fria CaligrafiaFora… lá fora o vento sibilante,
o chuvisco gelado do Inverno…
O Inverno humano.
Rosto no vidro batido… rosto dilacerado.
Agora o “já” eterno…
Lá fora o Inverno.
Vago… o pensamento!
Fome do outro lado…
A força, raiva… raiva… lá fora o Inverno!
O zumbido repentinamente estatelado… o zumbido.
A voz… por terra o pedaço vivo… de humanidade morta!
A destruição quente… Quente o Inverno?
Lá fora o frio… o Inverno frio.
Fome virgem deste lado?
Abundância… fome parida!
Agora sim! A fome parida…
Gritos… gritos… tantos gritos.
O desespero solitário lido no rosto…
Rosto no vidro batido… partido!
E o Inverno cá dentro…
A pele nua… no frio.
Pesado o pedaço morto… aquele rosto no vidro antes batido.
Lágrimas pelo rosto despedaçado…
Agora é o Inverno, o pedaço gelado… tudo gelado.
A terra quente… por terra o morto… frio.
Agora o “já” eterno… a ausência do rosto no Inverno…
O Inverno no rosto!
O sentir… um sentimento ido… um pedaço…
Lá fora o vento sibilante… o Inverno… o chuvisco gelado…
… a morte!

(Meda, 1982)

Um brinde a Ochs

Originally posted 2015-02-04 00:13:56.

phil.jpgJorravam-lhe da ponta: contos, sátiras, objectos de adoração terrestre.
Odes a uma civilização na vertiginosa recta do declínio.
Era o que se avistava por entre o relógio do tempo, entre a manhã e a tarde.
Lutava ausente de membros, espada ou escudo,
Sem defesa da hostilidade dos dias intermináveis.
Os dias do fim de forca na ideia.
“Se um homem pode mudar deve ser poupado”.
“Pode ter algo a dizer”.
Os cães de fila, danados, electrificavam
Corpos pela cor, religião e credo politico.
Espumavam ideologia que inundava as rusgas,
Listas negras e corredores de morte.
Sepulturas.
O preço da glória, das esperanças e dos sonhos
De uma noite certa, desenhada há cem anos atrás,
Lutando novamente pelo sul.
A postos.
Todos. Estarei lá também.
Brotava lágrimas de calibre 45,
Como se as entranhas igualassem uma fonte romana
Perdida numa nesga de terreno, à beira alta.
Num altar de sacrifício finito orava confuso,
Erguendo a taça receptada do furto ao Santo Graal.
Chorava os mortos da intolerância.
Cantava ao suicídio,
Brindava àqueles que tinham partido sem razão aparente.
Obrigado!