tabaco_port_suave

Um cigarro, pois!

Originally posted 2015-02-04 00:14:57.

tabaco_port_suavePeres levantou-se num pinote de face ruborescida e pernas bambas. Os presentes riam e comentava entre si o sucedido ao engenheiro. Este não sabia que fazer nem que dizer. Olhou ao seu redor e da boca sai-lhe um tremido – Desculpe! Depois quedou-se mudo, esquecido do tabaco.
– Ora essa, são coisas que acontecem. – Retorquiu Clara. – Não se preocupe, olhe se caía directamente no chão! Ficava logo a falar fofinho, sem os dentes da frente.
A mulher tem sentido de humor, cogitou Peres que avançou com um – Pois era!
– A menina desculpe mais uma vez, mas nem dei pela cadeira. Espero não a ter aleijado. Vinha à máquina…
– Pronto, agora já está junto da máquina e pode servir-se.
– Pois é! – Peres fitou os maços de tabaco, cada um de sua côr, sem saber qual o que devia escolher. Ali permaneceu hirto e hesitante o tempo suficiente para Clara perguntar:
– Então não tem a sua marca?
O rubor nas bochechas de Peres acirrou-se e gaguejou, que não, que não havia a sua marca preferida, teria que ir a outro lado.
– E que marca é essa. – Interrogou Clara. – Posso sempre oferecer-lhe um cigarro, se gostar destes. – Continuou enquanto lhe mostrava o seu maço de cigarros.
Peres nem estava em si e as mãos tremiam-lhe de medo por duas razões: a primeira era Clara, que se mostrava compreensiva perante a sua aparatosa queda e o faziam pensar que poderia com ela entabular uma conversa que o levasse mais além, apesar de não saber onde; a segunda é que nunca tinha fumado em cigarro na vida, salvo uma ou duas experiências mal sucedidas na escola primária em que os colegas mais velhos o convenceram que podia deitar fumo pelos olhos. Para isso tinha que inspirar fundo à primeira chupadela. Foi o que fez. Nesse dia ficou ciente de que nunca conseguiria deitar fumo pelos olhos ou que antes disso os pulmões lhe sairiam pela boca.
– Bem, a marca é uma marca que não há ali na máquina!
– Não me diga! – Gracejou Clara.
No desespero de uma resposta que convencesse, Peres recuou três anos e recordou-se que um amigo que passara férias na Indonésia, tinha dali trazido uns cigarros que misturavam tabaco e cravo da Índia e que, obviamente, não estavam disponíveis em Portugal em qualquer local, se é que estavam de todo em algum.
– É, ali não há. Chama-se Sampoerna. – Antes de dar tempo a Clara para pensar no que acabara de lhe dizer, Peres assoberbou-se de coragem e pediu:
– Posso sentar-me na sua mesa?
Clara hesitou na resposta, mas acabou por aceder relutantemente. Fitava a entrada, como fita quem parece aguardar por algo ou por alguém, consumida nos seus pensamentos mais profundos, sobre o amor, o abandono e a esperança.
Peres admirava-lhe as feições, o rosto bem torneado, os lábios carnudos e as longas pálpebras. Aquele belo rosto feminino e o que demais o acompanhava, tinham em Peres o efeito da melhor das cocaínas. Enquanto Clara se perdia na porta de entrada, Peres perdia-se em Clara, totalmente absorto em pensamentos libidinosos.
– Então, não fuma? Ou não gosta destes? – Interpelou Clara, voltando-se num repente para Peres, surpreendido pelos olhos do rosto que contemplava.
– Eh, bem… eu… sim… claro… Um cigarro, pois!
Clara chegou-lhe o maço de tabaco e Peres retirou um. Levou-o aos lábios, secos pelo nervosismo que regressava em dose redobrada, após uma centelha de acalmia e acendeu-o. Sorveu um pouco de fumo, lentamente, reteve-o um pouco na boca reclusa e lançou no ar uma baforada masculina. – Afinal ia conseguir – cogitou Peres, que começou a ganhar confiança no seu fumar pouco usual.
André olhava-o por detrás do balcão, tentando esconder os dentes cariados que um sorriso largo não deixava.