Por um pacote de tabaco

Originally posted 2015-02-04 00:16:57.

elaPor um pacote de tabaco

Deu por si de jornal pousado e de olhar fixo no copo meio bebido, decidindo naquele instante que não iria esperar pelas informações do André. Ele próprio tinha que lidar com a ansiedade e incerteza de que estava possuído, qual personagem cinematográfica a carecer do exorcismo de um profissional da Santa Igreja, e ir em frente com tudo o que tinha e que, a bem dizer, era uma mão cheia de nada!
No entanto, o plano estava bolado: ir à máquina de sustentação do vício levantar um maço de tabaco e, de permeio, entabular conversa com Clara. O plano só tinha duas falhas: Peres nunca fumou e não sabia ainda que dizer a Clara, para início de conversa.
Alguma coisa se há-de arranjar – pensou.
Levantou-se decidido. Tomou o caminho mais curto para o balcão, evitando mesas e cadeiras mal arrumadas e pediu:
– André troque-me aí cinco euros para a máquina, se faz favor.
Confuso, por sabê-lo não fumador, André, devolveu-lhe a deixa com uma interrogação, tudo menos própria para o silêncio da sala:
– Para a máquina? Qual máquina? A do tabaco?
Peres roborizou, encolerizado pela inoportunidade do questionário e redarguiu:
– Claro, para qual havia de ser? Tem cá outra? Não pois não? Então!
– Mas o engenheiro não fuma!
Irra que o gajo é burro – cogitou Peres.
Entretanto, Clara notara já que havia algo em que, pelos trejeitos e gestos de um e outro, empregado e cliente pareciam estar em desacordo, sem contudo entender qual o motivo da discórdia.
– Está bem ó André, mas agora quero fumar, pronto! Além disso não tenho que dar-lhe quaisquer explicações. Os pulmões não são seus, portanto…
– Ó Engenheiro, tem razão, mas como nunca o vi a fumar…
– André, chegue aqui – pediu baixinho Peres, baixando os olhos enquanto chamava o seu interlocutor com o indicador direito. Aquele encostou-se o mais que pode e que o balcão permitia, ao rosto do engenheiro, para este lhe segredar:
– É pá, você cale-se carago! Não vê que é para ir meter conversa com a gaja!
Quase que abocanhando a orelha de Peres, o empregado do Moinho, não deixa os seus créditos por mãos alheias e retorque em surdina:
– E para que é o tabaco? Vai mocá-la com cigarros? Olhe lá, quer que eu vá lá dizer que o engenheiro está interessado em dar-lhe uma palavrinha?
– Obrigado André. Se me desse os cinco euros em moedas já era bom…
– Bem, o engenheiro é que sabe – a demanda por cinco moedas terminara e André, finalmente, trocava a nota de cinco por outras tantas moedas de euro.
De posse das preciosas moedas, Peres fixou os olhos na máquina do tabaco, enquanto pensava na marca de cigarros que iria comprar. O corpo vibrava-lhe com um nervoso miudinho e fez questão de não olhar para Clara enquanto se dirigia para a dita máquina, fingindo-se desinteressado.
Avançava decidido. No entanto, sentia uma involuntária rigidez nas pernas, que lhe impediam um andar natural, fazendo de Peres um morto-vivo que não dobra os joelhos nem por nada.
Determinado, continuava a sua heróica demanda por um pacote de tabaco, até que, a menos de dois metros do alvo, a perna de uma das cadeiras mal arrumadas do café, se lhe atravessou com firmeza no caminho e fez Peres cambalear errático até, por fim, cair de borco no colo de Clara.

CAPITULO I

CAPITULO II

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