O travo amargo do açúcar

Originally posted 2018-08-13 13:39:20.

AçucarI – “Quem vê TV sofre mais do que no WC” TAXI
Aqueles que tratam mal a língua materna, pela simples razão de que a sua formação escolar mais não lhe permitiu, estão à partida perdoados. Se bem que poderia pensar-se que o facto de ouvirem rádio e ver televisão poderia melhor o seu domínio da língua, o verdade é que isso está total e irremediavelmente fora de questão. O motivo é até bastante simples: quer a rádio quer a televisão, sobretudo esta, persistem, como se mandatados por algum literato algoz estrangeiro estivessem, para assassinar com regularidade o Português. Ele são os repórteres de rua, ele são os pivots, ele são os convidados, ele são as legendas dos filmes, cada um produzindo um tratado de como falar mal e depressa a língua de Camões. Os que poderiam pensar que assistindo a programas televisivos melhorariam o seu domínio da língua, já, se inteligentes, tiraram daí o sentido, Ou não. É que se não sabem como falá-la e escrevê-la, assistir aos programas e filmes que passam na TV, só piora o seu mau domínio da língua. O mais grave de tudo isto é que estes crimes linguísticos passeiam impunes por todas as TV e Rádios e não há uma alma dessas que se autodenominam, políticos, institutos, reguladores, o que quer que seja, que mexa uma palha e ponha termo à situação.
A RTP tem uma rubricazita a que chama “Bom Português”, que todos os dias úteis, da parte da manhã, enquanto as ideias estão ainda pouco claras, vai à rua perguntar aos transeuntes, como se diz ou escreve esta ou aquela palavra. Uns acertam, outros nem tanto, colocando assim a nu a ignorância do povo, amesquinhando e ridicularizando os interpelados que, porventura, até redigem a palavra de forma errada, porque a viram nas legendas de um filminho da TV. Nesta matéria podia a RTP usar de um pouco de corporativismo e, ao invés de troçar do povo perante o qual tem a responsabilidades sociais e culturais, virar-se para dentro e achincalhar aqueles que colocam no ar, na forma oral ou escrita, verdadeiras pérolas da sua imbecilidade. E para dentro não significa apenas RTP, mas também todos os outros canais. É que estes, ao contrário dos que não tiveram formação escolar bastante, os do TV são, em regra, indivíduos com formação superior na área do jornalismo e que, portanto, não podem clamar perdão ou misericórdia para os crimes que cometem. Têm responsabilidades acrescidas e usam um meio de comunicação em massa, para difundir burrices.

II – Eu conjugo, tu conjugas, ele conjuga! Pronto estamos casados!
Outras instituições, para lá da TV e da Rádio, têm responsabilidades culturais e sociais.
Durante o meu período de estudante universitário, na Faculdade de Direito de Lisboa (pronto já sabem), sobretudo na disciplina de Direito da Família, chamar a duas pessoas casadas “conjugues”, além de crime linguístico era meio caminho andado para uma nota pouco interessante, para não dizer mais. Os “conjugues” estavam para os cônjuges, assim como a “uso e campião”, está para a usucapião. No entanto, pode, quiçá, ao comum dos mortais, leigo em Direito, admitir-se o “conjugues”, se bem que me custe a engolir. Não pode, todavia, admitir-se a instituições, empresas e outras entidades que pela sua dimensão e responsabilidades, têm o dever de trazer a público, nomeadamente, publicidade, escrita em português correcto.
Esta semana que agora termina, depois de uma refeição curta e antes de por os pés ao caminho de volta ao trabalho, o café da praxe trouxe até à chávena de uma Colega, o pacote de açúcar que vêem acima, onde a propósito dos direitos humanos, a palavra “conjugues” têm direito a ampla e asna divulgação. Estou certo de que, quando a Nutricafés, SA, lançar uma série de pacotes de açúcar dedicada ao Direito das Coisas, num deles fará constar que a “uso e campião” é uma das formas de aquisição da propriedade.
Foi o momento Zen do dia! Compreendo agora porque certas pessoas não põem açúcar no café.
Quem escreveu aquela frase? Quem coloca no mercado um pacote de açúcar com palavras que não existem? Sim a Nutricafés, eu sei, mas as questões são mais de retórica. Ninguém, com as competências necessárias revê o português da campanha? Estou em crer que não. Ou talvez, sem desprimor, seja o porteiro do prédio da sede da Nutricafés! Não. Estou certo que é um administrador.
Seja como for, este açucar deixa na língua um travo bem amargo.

3 thoughts on “O travo amargo do açúcar

  1. Olha nem o nosso governo quer saber da lingua mãe… basta ver as concessões dadas aos brasileiros… como são 180 milhões vamos ter de escrever como eles… só visto!
    Está muito dinheiro em jogo… a malta é que não sabe…
    Abraços – CM

  2. Como sempre um texto oportuno e bem redigido!! Eu propria testei essa falha dos nossos meios de comunicação quando estive aí. Fiquei chocada com a adulteração da nossa lingua por aqueles que tem a obrigação de a usar de uma forma correcta e fidedigna. Não só a ortografia das palavras mas também o uso errado de certas formas verbais que arrepia os cabelos dos que tem orgulho numa lingua tão rica e de grande beleza.
    Beijos.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.