Jonny desaparecido

Originally posted 2015-02-04 00:15:03.

hawkwind20-20hallofthemountaingrillHouve um dia em que nevou na Kapital do país.
O frio era agora uma constante de todo um planeta mergulhado numa era glaciar, com temperaturas negativas difíceis de suportar. Nem homem nem animal tinham avistado neve por mais de 50 anos. Os mais novos nunca a tinham visto cair em farrapos brancos de um céu turvo, apressada por uma brisa cortante. Apesar do gelo e do frio, só a norte nevava com alguma frequência. Mas, para aí, apenas os chefes das Komunas e os homens do Konselho se tinham, quando o sustento escasseava, aventurado em busca de alimento, correndo perigos imensos. Muitos tinham perecido nessas longas caminhadas em busca de couve-galega, feijão verde e, às vezes, alguma batata. Enfim, o que aparecia! Nessas suas incursões em território inimigo, puderam por vezes presenciar o espectáculo que a Kapital lhes negava insistentemente. Mas, os que nunca a tinham abandonado, vê-la, assim, cair em catadupa, nunca tinham visto. Isso nunca.
Os do norte cassoavam dos da Kapital por este e outros motivos. Por um lado, eram os que tinham sofrido pesadas derrotas militares durante a guerra nuclear das estepes e sido degredados para a Kapital. Por outro, o facto de terem uma pronuncia que entova os pês como se fossem fês, era motivo de chacota constante e de risada geral entre nortenhos, não raramente denegrindo a honra das mulheres da Kapital, com o uso de expressões em que o verbo poder era usado.
À mingua de recursos e de saberes os da Kapital limitavam a sua existência à procriação, mas com êxito diminuto. A população estava à beira do fim. Desde o final da guerra das estepes que não tinham nascido mais de 500 individuos e, mesmo assim, alguns com evidentes falhas de racicionio. Eram subnutridos crónicos. O gelo cobria por completo as terras aráveis e todo o seu sustento se reduzia, praticamente, à caça que sobrevivia no gelo. A alimentação era parca em legumes e carbo-hidratos vegetais. Daí as incursões em território nortenho, para subtrair ao inimigo o que a este lhe abundava na horta. Assim visto, nem parecia crime.
A vista da neve fez acreditar alguns que um período de prosperidade teria inicio, logo ali, naquele mesmo dia. Foram procurar Jonny, jovem guerreiro eleito por todas as Komunas da kapital para seu chefe supremo. Jonny era de todos os que mostrava poder articular um racicionio para lá o comum. Tinha crença profunda nos deuses e que um dia a sorte do seu povo mudaria e conseguiria subjugar os do norte. A sua crença nos deuses conduziu-o, muito novo, a tentar provar a existência de vida para lá da morte: num improvisado altar de sacrificio, degolou o seu animal de estimação, um feroz lobo das estepes. Ao entardecer o lobo voltaria ao lar e cearia com o seu adolescente dono e respectivos progenitores, segundo Jonny. Gente de todas as komunas acorreu às portas da cidade para, assim que o sol mergulhasse no seu repouso efémero, verem entrar Kuiaka regressado dos mortos. Kuiaka não apareceu! E logo ali se duvidou das crenças do jovem que havia de tornar-se guerreiro e chefe de todos os que percorriam as vielas geladas da Kapital. A partir daquele dia só Jonny dizia ver Kuiaka. Que este vagueava moribundo, num desespero eterno de zombie mal nascido. Jonny afirmou mais tarde que devia tê-lo morto de outra forma. Os degolados, afinal não regressavam dos mortos. Só os outros. Nunca especificou quais. Não teve tempo.
Nesse dia em que Jonny viu neve pela primeira vez, decidiu aventurar-se muito para lá do perímetro seguro da Kapital e subir à montanha onde se situava o templo semi-destruído dos sábios de outrora, procurar respostas para o futuro da Kapital, que agora parecia risonho.
Jonny nunca regressou. “Jonny desaparecido”, foi como passaram a referir-se ao promissor chefe guerreiro. Afinal a neve partira e Jonny com ela.
A Kapital foi mais tarde tomada de assalto pelos homens do norte, preocupados com o desaparecimento de demasiada couve-flôr.

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